Silêncio das Palavras'
O peso e a leveza
O fardo mais pesado esmaga-nos, verga-nos, comprime-nos contra o solo. Mas, na poesia amorosa de todos os séculos, a mulher sempre desejou receber o fardo do corpo masculino. Portanto, o fardo mais pesado é também, ao mesmo tempo, a imagem do momento mais intenso de realização de uma vida. Quanto mais pesado for o fardo, mais próxima da terra se encontra a nossa vida e mais real e verdadeira é.
Em contrapartida, a ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar, fá-lo voar, afastar-se da terra, do ser terrestre, torna-o semi-real e os seus movimentos tão livres quanto insignificantes.
(...)
Mas uma coisa é certa: a contradição pesado-leve é a mais misteriosa e ambígua de todas as contradições."
Escutar
É sempre difícil pararmos, é sempre complicado escutarmos.
A vida, por mais fugaz que seja e por maior consciência que tenhamos disso, jamais tem o devido valor que merece da nossa parte. É praticamente impossível ao nosso ser desprendermo-nos do valor material que circula pelo nosso ambiente e mente. Escutar é palavra expulsa do nosso dicionário, é resolução matemática impossível para a nossa vida.
O ser humano busca incessantemente por algo belo que imagina estar fora da sua órbita, sonha por alcançar a nota musical mais perfeita que já ouviu, ousa explorar o espaço do Universo que se encontra demasiado longe dos seus objectivos. Esquece-se que tudo isto está em si, apenas e somente no seu “eu interior”, aquele que desprezamos e desvalorizarmos, porque é algo nosso, e o que é nosso a muitos não importa.
Mas eu quero acreditar que o céu hoje está azul, que por mais tarde que possa ser ainda vou a tempo de recomeçar a escutar o que nunca quis ouvir. É hoje, num mundo azul, que vou escutar o que me tens a dizer. Fala-me sem proferires palavras, escuta-me sem me ouvires.
Parei os ponteiros do relógio porque a única coisa que não quero escutar é o passar do tempo. Sou hoje do mundo que me rodeia, daqueles que cuidam de mim e estou aqui para escutar, anulei todos os outros sentidos. Hoje apenas sou humana pelo som. Alimento-me da beleza do som da tua presença sem precisar de te ver a meu lado. Escuto-te aqui. E hoje estou bem, neste céu azul.