Escutar

É sempre difícil pararmos, é sempre complicado escutarmos.

A vida, por mais fugaz que seja e por maior consciência que tenhamos disso, jamais tem o devido valor que merece da nossa parte. É praticamente impossível ao nosso ser desprendermo-nos do valor material que circula pelo nosso ambiente e mente. Escutar é palavra expulsa do nosso dicionário, é resolução matemática impossível para a nossa vida.

O ser humano busca incessantemente por algo belo que imagina estar fora da sua órbita, sonha por alcançar a nota musical mais perfeita que já ouviu, ousa explorar o espaço do Universo que se encontra demasiado longe dos seus objectivos. Esquece-se que tudo isto está em si, apenas e somente no seu “eu interior”, aquele que desprezamos e desvalorizarmos, porque é algo nosso, e o que é nosso a muitos não importa.

Mas eu quero acreditar que o céu hoje está azul, que por mais tarde que possa ser ainda vou a tempo de recomeçar a escutar o que nunca quis ouvir. É hoje, num mundo azul, que vou escutar o que me tens a dizer. Fala-me sem proferires palavras, escuta-me sem me ouvires.

Parei os ponteiros do relógio porque a única coisa que não quero escutar é o passar do tempo. Sou hoje do mundo que me rodeia, daqueles que cuidam de mim e estou aqui para escutar, anulei todos os outros sentidos. Hoje apenas sou humana pelo som. Alimento-me da beleza do som da tua presença sem precisar de te ver a meu lado. Escuto-te aqui. E hoje estou bem, neste céu azul.

Somos demasiado iguais, o que nos torna demasiado diferentes dos outros.
Chorar pode aliviar a Alma, mas magoa o Corpo.

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"Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é so um dia mais."

José Saramago (1922-2010)

Reflexão I

Existem vários caminhos na nossa vida e poucas oportunidades para fazermos uma escolha acertada. Não raras vezes, a distinção de lado esquerdo e direito nunca nos fez tanta preocupação como quando temos à nossa frente dois caminhos sem fim à vista, onde de inicio tudo parece sereno e perfeito. No entanto mais cedo ou mais tarde a escolha aparece. E com ela traz inúmeras surpresas, nem sempre boas nem sempre más.

A verdade é que há sempre um caminho que nos leva á vida de alguém e outra direcção que nos leva até à saída. Há sempre um motivo que nos leva a conhecer alguém, nem que seja uma breve troca de palavras, mas longa o suficiente para arrecadarmos algo.

Não existe hora certa, nem dia exacto. Mas existe uma razão. Eu pelo menos acredito.

E já entrei em várias vidas, já encenei em várias histórias. Choquei com aquela vida porque o destino assim o quis, e não é difícil através de uma breve reflexão deduzir o motivo pelo qual essa vida me abriu portas. Eu também já tive a sorte de abrir o coração a outras tantas vidas, que nem sempre me estamparam um sorriso no rosto. Mas até o lado mais negro de uma relação falhada tem algo de bom para se espremer.

Todos nós temos uma razão para entrar na vida de alguém, e é essa mesma razão que nos faz escolher o lado da saída. Quando fazemos o que nos compete naquela vida, não há mais nada que cultivar, não há mais nada aprender, só nos resta sair. E por vezes saímos pelo tapete vermelho, mesmo quando com uma lágrima no rosto. Talvez seja por isto que as relações por mais ténues ou profundas que sejam, tendem a quebrar. Não é por falta de amor ou ódio a mais, eu quero acreditar que simplesmente significa que a nossa missão naquela vida chegou ao fim.

Há relações que devem acabar, apenas para continuarem. É preciso quebrar a ligação física para permanecer a melhor das recordações.


Um pouco de luz rasga-se por entre as cortinas da janela e mostram-me que já não é cedo, a manhã já vai longa mas o sono abraçou-me até agora. Tento olhar para o relógio mas a luz do sol ofusca-me o olhar e sinto ainda os olhos pesados e embriagados depois de uma noite que ainda não tive completa noção da sua história.

Sinto uma preguiça aberrante percorrer-me todo o corpo, e uma felicidade inexplicável a dominar a minha alma e a estampar-me um sorriso estúpido na cara de quem está apaixonada mas ainda não se apercebeu. Abraço-me aos lençóis brancos nos quais sinto um cheiro afável e familiar…desperta-me os sentidos e recordo com um impacto tremendo que aquela noite não foi tão comum como pensará, foi fugaz mas foi capaz de tocar a minha pele e arrebatar o meu coração. Sei bem que foste tu quem me amou durante toda aquela noite, que foi contigo a meu lado que adormeci e que é o teu cheiro que está estampado naqueles lençóis.

Dou meia volta na cama e um pequeno arrepio percorre-me a espinha. Um cartão em cima da travesseira que foi tua por uma noite, um “Amo-te” lá escrito que me fez mais que sorrir, soltou borboletas no meu estômago e um nervoso miudinho de quem encontrou o seu príncipe encantado.

Não sais-te de casa há muito tempo, o teu espaço na minha cama ainda solta o teu calor…

Não, não está tudo bem.

Há a saudade que corrói de tal forma o coração que acaba por nos sufocar a alma. Ultrapassa, que nem uma seta melindrosamente colocada no nosso corpo, toda a carne e osso com que se depara para chegar à parte nossa que jamais alguém virá. Atinge o nosso ponto fraco, o mais frágil e feio que nós teimamos em esconder.

Não vale a pena disfarçar que está tudo bem, quando na verdade, nos encontramos longe disso. Usamos uma máscara que compramos na loja que há tempos nos apregoa o juízo para nos ajudar a enfrentar um dia-a-dia mentiroso, mas apenas faz de nós mais uns estúpidos andantes nesta vida. Uns fracos desencorajados que se acomodam com todo o desmoronar que acontece a seu lado, com o desaparecer dos melhores momentos da sua vida. Porque nos achamos sempre fortes, deixamos para trás o que melhor nos aconteceu e não queremos sequer incluir o passado no nosso futuro.

E depois choramos! A saudade bate à porta e a máscara cai. Estamos sozinhos e afinal não há mais nada a esconder, choramos porque mais ninguém o vê.

Os momentos que ficaram amarrados aquela fotografia nunca mais se repetiram. Outros virão, mas certamente não serão as mesmas pessoas a estruturar toda aquela fotografia. A máscara, essa continuará igual.

Na verdade, só investimos tempo a fotografar bons momentos. Momentos esses que hoje estão estampados na parede no quarto, para a qual olhamos e dizemos: “Está tudo bem. Amanhã tudo se repetirá e será melhor”, mas não está tudo bem. Os momentos não serão iguais nem as pessoas serão as mesmas.


"Hoje eu não me recomendo."

Tenho saudades. Muitas saudades.

Do teu cheiro, do teu sabor, do teu olhar encantador.

Passa esta noite comigo, só esta…

Posso deixar sempre a conversa a meio e o resto de mim em silêncio. Tu sabes e sempre acreditas que tenho muito mais para te dizer.

Constantemente desminto tudo o que vai em mim. Mas tu conheces-me, bem demais até. Sabes perfeitamente que todas as reticências que deixo no ar escondem mais que emoções, aglutinam vírgulas e pontos finais.

E hoje acordei nostálgica. Tive saudades do que não disse e arrependi-me do muito que falei.

"...Os sonhos não determinam o lugar onde vocês vão chegar, mas produzem a força necessária para tirá-los do lugar em que vocês estão. Sonhem com as estrelas para que vocês possam pisar pelo menos na Lua. Sonhem com a Lua para que vocês possam pisar pelo menos nos altos montes. Sonhem com os altos montes para que vocês possam ter dignidade quando atravessarem os vales das perdas e das frustrações. Bons alunos aprendem a matemática numérica, alunos fascinantes vão além, aprendem a matemática da emoção, que não tem conta exata e que rompe a regra da lógica. Nessa matemática você só aprende a multiplicar quando aprende a dividir, só consegue ganhar quando aprende a perder, só consegue receber, quando aprende a se doar..."
Augusto Cury

Já e Agora




Porque um dia quero olhar para trás e soltar um sorriso rasgado, daqueles que espelha uma felicidade invejável, um orgulho por todos os passos dados no passado.

Sei que errei e continuarei a errar, mas outras tantas vezes acertei. Caí e hoje agradeço por bater com a cara no chão, por sentir o frio da derrota, mas também por logo de seguida aprender a erguer-me sozinha, a vencer sem medo.

A verdade é que só aposto quando sei que vou vencer, e agora vou apostar em mim!

A vida ainda agora começou…

Fragmentos de Amor

“Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo. O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria. Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em “diálogo”. O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam “praticamente” apaixonadas. Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do “tá bem, tudo bem”, tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida,o nosso “dá lá um jeitinho sentimental”. Odeio esta mania contemporânea porsopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amorfechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor éamor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A “vidinha” é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio,não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha – é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.”

Escrito por : Miguel Esteves Cardoso

Note.

[Imagens recolhidas do Google e do DevianArt]

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